Planejar e escutar bebês e crianças: um diálogo necessário.

Neste início de ano letivo muitas professoras e professores se deparam novamente com um questionamento muito recorrente: o planejamento. Isso é muito bom, questionar e buscar novas estratégias e refletir sobre as práticas é um grande passo para continuarmos a nos constituir como professores buscando uma educação de qualidade e humana respeitando as crianças, familiares e comunidade. Sempre escuto perguntas tais como: como fazer um planejamento e ouvir os bebês e as crianças ao mesmo tempo? Isso é improviso? Se eu escuto os bebês e as crianças eu não preciso planejar? Eu vou ficar parada esperando uma borboleta entrar na sala para poder falar de borboleta?
O primeiro passo é deixar evidente o que se entende por escuta, o que significa planejar, e  perceber que tudo isso está intimamente relacionado com as concepções que orientam nossa prática profissional, e como entendemos o que é  um bebê e uma criança e o que é ser uma professora.
Ouvir os bebês e as crianças é muito mais do que simplesmente escutar o que dizem, neste caso perguntar como se escuta bebês já seria suficiente para interrogar este conceito, afinal ainda não dominam a linguagem verbal porém se comunicam com variadas linguagens, que vão desde aos balbucios, choros, caretas e até silêncios, linguagens estas que nos dizem e revelam muitas coisas. Segundo Carla Rinaldi escutar está além da linguagem verbal, ou seja, escutar é uma “[…]metáfora para a abertura e a sensibilidade de ouvir e ser ouvido - ouvir não somente com as orelhas, mas com todos os nossos sentidos (visão, tato, olfato, paladar, audição e também direção).” Essa escuta é cotidiana, e não implica somente os bebês e as crianças, devemos também ouvir as famílias, os educadores, a comunidade, e inclusive a nós mesmos. 
Contudo para que a escuta de fato aconteça é preciso acreditar que os bebês e as crianças tem muito a nos dizer. Se os considerarmos como seres incompletos, que ainda vão ser alguém, não estaremos disponíveis para escutá-los e muito menos considerar o que suas vozes dizem. Para que isso se efetive verdadeiramente temos que ter consolidada a nossa ideia do que significa ser um bebê e uma criança. De acordo com as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil a criança é: "Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura." Os bebês e as crianças já são! Pensam hoje, produzem cultura hoje, teorizam o mundo hoje, participam e se expressam hoje!
Todavia, o que fazer com o que escutamos? Assim como Renata Dias Oliveira(2015)afirma:[…] não os escutamos apenas para constatar ou conhecer, mas para transformar a escuta em proposição* de novos caminhos educativos, construídos com bebês e crianças. E é aí a chave da questão! A escuta nos mostra os caminhos que devemos seguir, trazem novas ideias e nos exige um planejamento muito mais qualificado e constante. Ou seja, fazer um planejamento fechado por um mês, por exemplo, significa que desconsideramos as ideias, os posicionamentos, as questões e os interesses trazidos pelos bebês e crianças. Ainda segundo Renata Dias Oliveira (2015) “A flexibilidade e a abertura do planejamento não significam que a ação docente se fundamente no improviso ou na ausência de intencionalidade, ao contrário, anunciam uma ação extremamente complexa que é a de planejar contemplando o inesperado, o inédito* e as questões que nascem das interações e experiências de bebês e crianças nos diversos contextos educativos."
Por isso planejar através da escuta é fundamental, e dessa forma fica inviável obter planejamentos da internet, ou ainda, planejamentos de colegas, pois os bebês e as crianças são outras, suas percepções, conhecimentos, experiências e ideias são outras. Muitas pessoas questionam a escuta, dizendo que assim a professora tem seu papel diminuído, e digo com toda a certeza, muito pelo contrário! A professora tem um papel essencial de autoria. Através da escuta não é possível existirem planejamentos iguais, nem mesmo da mesma professora de um ano para o outro.


Na minha prática houve um ano em que apareceram lagartas no parque e as crianças da turma de 2014 quiseram saber como viviam, comiam, como eram as patas, etc, já as crianças que viram as mesmas lagartas no parque em 2017 quiseram saber se era verdade que em alguns países se comiam lagartas e outros insetos. Mesmo vendo as mesmas lagartas, no mesmo lugar, com a mesma professora na mesma escola, as crianças eram outras em outro tempo e logo, o questionamento foi totalmente diferente e consequentemente o planejamento também.
Segundo Luciana Ostetto "O planejamento como proposta que contém uma aposta, um roteiro de viagem em que, a cada porto, incorporam-se novas perspectivas, novos roteiros, rumo a novas aventuras. O importante é exercitar o olhar atento, o escutar comprometido dos desejos e necessidades do grupo revelados em seus gestos, falas, expressões, em suas linguagens, enfim. O planejamento não é ponto de chegada, mas ponto de partida ou “portos de passagens”, permitindo ir mais e mais além, no ritmo da relação que se construir com o grupo de crianças."
A professora pode levar propostas para os bebês e as crianças ou tem que esperar tudo delas? Com certeza pode-se fazer proposições, questionamentos, trazer outras experiencias, muitas vezes como disparadores para pesquisas e brincadeiras. O que não pode é iniciar um caminho já com a certeza de como será o fim, isso os bebês e as crianças irão dizer, nos pegarão pelas mãos e nos farão ver coisas que não vemos mais, farão perguntas que nem imaginávamos, mostrarão outras perspectivas e também irão valorizar o que sabemos e o que temos para mostrar-lhes. Planejar ouvindo exige um replanejar constante, pode ser em tabelas, listas, enfim, do jeito que vc acha melhor para organizar, fácil de apagar e mudar conforme novos caminhos surgem. É trabalhoso sem dúvida, mas dessa forma ficará evidente o quanto temos que aprender com eles e aprender é um dos maiores objetivos da Educação, tanto para os pequenos  tanto para os adultos. 

Margarida de Sousa Barbosa

*Grifo meu

Referências 


OLIVEIRA, Renata Cristina Dias. A escuta de bebês e crianças em diálogo com a Pedagogia da Infância. in: MAGISTÉRIO: publicação da Diretoria de Orientação Técnica da Secretaria Municipal de Educação para professores da Rede de Ensino da Cidade de São Paulo. São Paulo: SME/DOT. n.2, 2015
Ostetto. Luciana. Planejamento na Educação Infantil. Mais que atividade. A criança em foco. Disponível em : https://moodle.ufsc.br/mod/url/view.php?id=497666
RINALDI. Carla. Diálogos com Reggio Emilia: escutar, investigar e aprender. São Paulo: Paz e Terra, 2012.


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